Judiaria

A insanidade Cristã na Idade Média criou a Santa Inquisição, espécie de tribunal religioso para condenar os que eram contra os dogmas pregados pela Igreja Católica.


Fundado pelo Papa Gregório IX, o tribunal do Santo Ofício da Inquisição mandou para a fogueira milhares de pessoas que eram consideradas hereges (praticantes de heresias: doutrinas ou práticas contrárias ao que era definido pela Igreja Católica) por praticarem actos considerados bruxaria, heresia ou simplesmente por serem praticantes de outra religião que não o catolicismo.

Galileu diante do Santo Ofício - pintura séc.XIX

O Tribunal era bastante rigoroso quanto à condenação. O réu não tinha direito a saber o porquê e nem por quem havia sido acusado, não tinha direito a defesa e bastavam apenas duas testemunhas como prova.

O pior período da inquisição foi durante a chamada Inquisição Espanhola (século XV ao século XIX). De carácter político, alguns historiadores afirmam que a Inquisição Espanhola foi uma forma que Fernando de Aragão encontrou de perseguir os seus opositores, conseguir o poder total sobre os reinos de Castela e Aragão e ainda expulsar os judeus e muçulmanos.

Os Reis Católicos Fernando e Isabel na tomada de Granada, último bastião muçulmano

Inserida na região fronteiriça com Espanha, Medelim viu crescer a sua população com a inclusão de Judeus que nesses tempos atravessavam a fronteira e encontravam na raia beirã um porto bem mais seguro, tendo então dado origem às judiarias nas localidades onde se instalavam.

Cena de expulsão de Judeus em Espanha (xilogravura de 1880, posteriormente colorida)

Medelim, possui um testemunho dessa imigração forçada de judeus, a Rua da Judiaria, local que segundo o testemunho dos mais velhos teria funcionado como um "guetho" judaico em que os mais velhos contavam ser uma rua fechada com dois portões; um ao cimo da rua, fechava desde o antiugo forno de cal com o que era a casa que veio dar lugar à taberna do Ti Zé Miguel e outro portão no final da rua.



Apesar de não haver certezas, (dado que não há nenhuma referência explícita escrita) tem-se constado de à uns anos (desde finais dos anos setenta) até agora que na Rua da Judiaria terá existido um local de culto "Sinagoga".



Em algumas judiarias espalhadas pela Beira Baixa e Beira Alta, terão os seus ocupantes desenvolvido níveis de vida dignos, sendo percussoras até de riqueza e desenvolvimento humano. Em Medelim, não há notícia desse desenvolvimento, a menos que isso também constitua mais um dos mistérios que a aldeia guarda, a lembrança dos mais velhos é que era constituída por gente muito pobre e que assim se manteve até ao último quartel do século XX.



Nos tempos actuais, com a socialização da pobreza que tem sido o resultado das políticas seguidas, podemos dizer que os poucos habitantes da Rua da Judiaria e os (também poucos) que esporádicamente emprestam vida à rua e à aldeia não são efectivamente ricos; digamos que acompanham os tempos.



É a partir dos anos setenta do século XX que se começa a querer fazer a história, localizando a hipotética sinagoga na (meia-casa) que foi do bisavô Elias Xavier, tendo como principal argumento a "intervenção desastrada" que eliminou os traços originais, sendo portanto, fácil conjecturar sobre algo que já não existe, no entanto, puxando pela memória e alguns registos fotográficos dos anos sessenta do século XX desenterrados do baú, consigo desmistificar algumas "certezas" publicadas.

Reconstituição que a memória e a habilidade permitem

Tem servido o argumento de a actual casa ser a mais alta da rua e a única que tem espaço suficiente para a celebração do culto. Pois sim, despois da tal intervenção desastrada, as duas casas que hoje se constituem numa só, ficou, efectivamente a sewr a mais alta e a reunir o espaço necessário a um eventual culto; porque até aí, eram das casas mais baixas da rua, sendo uma grande parte da actual área ocupada pelos balcões de acesso às casas; o piso térreo também deixava pouco espaço em cada uma das casas e possuiam ambas um pé direito muito baixo, notóriamente insufiuciente para se ficar de pé.


Foi realmente pena que o Ti Mário (neto do Elias xavier), notificado pelo poder autárquico a fazer obras nas ruínas que eram as casas, não tenha tido à data o apoio competente para o desenvolvimento do projecto que transformou as duas casas numa só; tal teria sido possível, com competência e sensibilização arquitectónicas, respeitar minimamente a traça original mesmo sem a submissão à ditadura da arquitectura teria sido concerteza possível encontrar a boa solução.

Projecto aprovado, feito por algum arquitecto que tirou o diploma talvez num domingo

A casa construída pelo Ti Mário respeitou mínimamente o projecto aprovado

Mas nem tudo foi negativo na desastrada intervenção arquitectónica, pois, analisando à distância que o tempo proporciona, concluo que o Ti Mário ao respeitar o projecto, acabou por substituir dois casebres exíguos em ruínas e que nos tempos em que havia vida nessas casa, essa, era pobre, até miserável por um espaço que reune condições de conforto e habitabilidade dignas. Hoje, depois de algumas iniciativas correctivas que desrespeitaram o projecto, apetece lá viver.

A casa na actualidade, depois de alguns arranjos que a enquadraram com a rua

Assim, e apesar do Ti Mário ter termiunado como todos nós terminaremos o gozo das férias que a morte nos concedeu com alguma "angústia" pela sensação de culpa em ter sido o executor daquilo que se veio a revelar um mau projecto, pois teria eliminado a tal de sinagoga cuja "história" tinha começado a nascer e que se desenvolveria sem que ele se apercebesse que tal não passava mesmo de "história".

Relembro com saudade os dois manos, O Ti Mário (meu pai) e o Ti Zé Miguel (meu tio-padrinho)

Ou seja, até à desastrada intervenção, nunca ouvi aos mais velhos (e eu já não sou novo) alguma vez terem referenciado aquelas duas casas como sendo uma delas a eventual sinagoga que, a existir, só poderia ser num local ou numa das casas da Rua da Judiaria que tivesse alguma dignidade que pudesse hoje ser referenciável e, fundamentalmente, onde coubessem cerca de uma dúzia de pessoas necessárias à prática do culto; o que é impensável para aquelas casas.

Também já li algures outros argumentos como o de a casa estar virada para Meca. talvez seja ignorância minha, mas acho que essa era uma condição necessária para as Mesquitas e não para as Sinagogas, apesar de na realidade, o que está (mais ou menos) voltado para Meca ser a rua e não as casas.


Outro argumento é o da proximidade da casa que hoje é designada pela "Casa do Judeu". Que esta, assim se chamaria desde sempre e é fronteira à tal de sinagoga. Bom, a designação de "Csa do Judeu" que é hoje dada à casa que foi do Ti Modas podia ser perfeitamente a designação dada a todas as casas da rua, pois acredito que em tempos todas foram ocupadas exclusivamente por judeus, inclusivé a do bisavô Elias Xavier. Esta casa foi recuperada pela autarquia e é hoje ocupada pela Associação Cultural "ARCAZ".


Mas, a Rua da Judiaria está, aos poucos, a ser recuperada para a vida pelos proprietários das casas que as vão recuperando e adaptando para que se tornem confortáveis tanto para judeus, cristãos descendentes de judeus ou outros que lá queiram viver ainda que sazonalmente.

Nesta recuperação para a vida, sou de opinião que os postes plantados à frente das casas e os cabos eléctricos que atravessam a rua, poderiam ser substituídos por uma distribuição eléctrica enterrada, os candeeiros de iluminação pública mais adequados e integrados na rua e, até, a eliminação das antenas receptoras de sinal de televisão era viável.

Também o piso da rua, ao pretender imitar o piso original, deu lugar a um tapete bem mais incómodo que o original que foi levantado, para colocar a rede de água e saneamento. Talvez, se tivesse sido possível colocar as mesmas pedras, estas não seriam tão incómodas (na minha opinião claro).

O piso original era mais parecido com este que ainda não foi mexido.

Talvez com o tempo, ainda consigamos assistir a alguns desses embelezamentos funcionais.

Texto e Fotos By A.Pires In 1998, 2007, 2010 e 2011
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